sexta-feira, 12 de junho de 2020

NEM TÃO PRETA ASSIM



Desde criancinha sonhava em ser faixa preta, em meus delírios, ao assistir as produções hollywoodianas de artes marciais, gerava minhas ambições de ser um excepcional artista da arte da guerra.

Nunca cogitei que as minhas limitações físicas, relacionadas a minha deficiência física me impediriam de realizar meu sonho.

Quando me matriculei na primeira academia de karatê, o sensei também não me disse nada em relação as minhas limitações, apenas me tratou como qualquer outro aluno.

Com o decorrer do tempo percebi que algumas coisas eram impossíveis pra mim, tipo executar alguns movimentos de kata apoiado somente na minha perna menor, pois o único modo de fazer algumas dessas técnicas seria ficando na ponta do pé, o que me faria perder o equilíbrio facilmente.

Com o tempo consegui executar alguns desses movimentos, mas não tinham efeito além do visual, visto que não havia base de apoio suficiente, meu corpo todo estava apoiado na ponta de meu pé da perna deficiente. Outro fato é que se eu estivesse com a bota, jamais conseguiria fazer esses movimentos que treinei descalço.

Fui me adaptando e caindo na real que era impossível ser o lutador que sonhei, no máximo seria um artista marcial mediano, já que meu corpo não permitia ser excepcional.

Treinávamos 3 horas diárias, era muito puxado e no final das aulas todos estávamos exaustos. Foram anos e mais anos treinando diariamente, se um aluno normal precisasse treinar um golpe 100 vezes para executá-lo da maneira correta, comigo seriam necessários 10 vezes mais esforço, tempo e repetições nesse treinamento.

Aos poucos percebi que meus golpes com a perna mais curta eram muito mais fracos que o normal, o impacto dado por essa perna não era nem metade do impacto dado com uma perna normal, por outro lado, a velocidade que eu desferia o golpe com essa perna era o dobro da velocidade que alguém com a perna normal desferiria.

Outro fato é que meus golpes com a perna boa eram muito fortes, porém, bem mais lentos que de uma pessoa normal. Logo, usava a perna curta, que era bem mais rápida que o normal, como golpe primário e a perna normal como golpe secundário ou final. Dessa forma fui treinando e me adaptando, além de eliminar de vez as técnicas que por mais que treinasse não conseguia executar.

Nessa época eu já sabia claramente que para mim era impossível ser sensacional nas artes marciais, que poderia treinar todos os dias pelo resto da minha vida que jamais atingiria as minhas ambições de excelência.

Estava diante das duas únicas opções que me restavam: continuar e ser um faixa preta mediano ou desistir e esquecer esse assunto.

Continuei e, apesar das minhas limitações, consegui ser faixa preta, não o faixa preta dos meus sonhos, mas o sensei que deu para ser.

Em minha análise não contabilizo essa minha luta como vitória, visto que minhas técnicas nunca chegaram nem perto das minhas ambições, mas tá valendo.

Tive problemas também na musculação, pratiquei por alguns anos e consegui modelar parcialmente meu corpo. Digo parcialmente, pois alguns membros não se desenvolviam, por mais que eu os forçasse, por exemplo a panturrilha da perna deficiente, a forcei por anos e nunca engrossou.

No final concluí que minha genética não é lá muito boa e, que, com essa minha deficiência, até que consegui chegar longe, apesar de não ter ficado satisfeito.

Concluindo, descobri na prática, que mesmo quando não podemos ser o melhor, podemos alcançar o melhor segundo as nossas limitações.

O resto ficará para a próxima encarnação, quem sabe renasço com um excelente “Avatar”, um corpo geneticamente privilegiado na próxima?

Cláudio Nunes Horácio

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