quarta-feira, 31 de julho de 2019

OS FILHOS E O TEMPO





O tempo, pouco a pouco, me liberará da extenuante fadiga de ter filhos pequenos, das noites sem dormir, das madrugadas em claro e dos dias sem repouso. Do peso que enche meus braços e curva minhas costas. Das vezes que me chamam e não permitem atrasos nem esperas.

O tempo me devolverá a folga aos domingos e as chamadas sem interrupções tão persistentes, essas, aliás, já não serão tão presentes. O tempo, certamente e inexoravelmente esfriará outra vez a minha cama, que agora está aquecida e espremida de corpos pequenos e respirações rápidas.

Esvaziará os olhos de meus filhos, que agora transbordam de um amor poderoso e incontrolável. Tirará de seus lábios meu nome gritado e cantado, chorado e pronunciado cem mil vezes ao dia, ou mais.

Cancelará, pouco a pouco, a confiança absoluta que nos faz um corpo único, com o mesmo cheiro, acostumados a mesclar nossos estados de ânimo, o espaço, o ar que respiramos. Como um rio que escava seu leito, o tempo perigará a confiança que seus olhos têm em mim, como ser onipotente, grandioso, capaz de parar o vento e acalmar o mar, consertar o inconsertável e curar o incurável (Às vezes com um simples "beijinho").

Deixarão de me pedir ajuda, porque já não acreditarão mais que em algum caso eu possa salvá-los. Pararão de me imitar, porque não desejarão parecer-se muito a mim. Deixarão de preferir minha companhia em comparação com os demais, e até me trocarão por meros colegas (E sim, isso naturalmente ocorrerá).

Se esfumaçarão as paixões, as birras e os ciúmes, o amor, o medo... Se apagarão os ecos das risadas e das canções, as sonecas, e os “era uma vez” não me pedirão mais. Com o passar do tempo, meus filhos descobrirão que tenho muitos defeitos e se eu tiver sorte, me perdoarão por alguns deles.

Eles esquecerão, mas ainda assim eu não esquecerei. As cosquinhas e os “corre-corre”, os beijos nos olhos e os choros que de repente param com um abraço, as viagens e as brincadeiras, as caminhadas e a febre alta, as festas, as papinhas, as carícias enquanto adormecíamos lentamente.

Meus filhos esquecerão que os amamentei, que os balancei durante horas, que os levei nos braços e às vezes pelas mãos. Que dei de comer e consolei, que os levantei depois de cem caídas. Esquecerão que dormiram sobre meu peito de dia e de noite, que houve um dia que me necessitaram tanto, como o ar que respiram.

Esquecerão, porque é assim mesmo, porque isto é o que o tempo escolhe, não eu. E eu? Eu terei que aprender a lembrar de tudo para eles, com ternura e sem arrependimentos, incondicionalmente. E que o tempo, astuto e indiferente, seja amável com estes pais, com essa mãe aqui, que não quer esquecer jamais.

Carla Nubia