segunda-feira, 17 de agosto de 2015

DESLIGAMENTO

Aos 50 anos vamos percebendo que as memórias vão se apagando, que há poucas recordações das nossas histórias com lembranças claras. Restam-nos apenas sensações.

Sabemos se algo foi bom ou ruim, podemos até saber o porquê foi bom ou ruim, porém, não há o acesso às memórias, aos acontecimentos específicos. Há sim, a certeza de que valeu ou não valeu a pena os episódios vividos; há a sensação de perda ou ganho, mas não há a visualização da trama da vida que é a nossa história.

Claro que não sei se isso ocorre com todos os cinquentões, só sei que comigo é assim, não me lembro de praticamente nenhum detalhe da minha história, apenas me recordo que algo foi bom ou ruim, se me arrependi ou não de ter vivido ou feito. As imagens ficaram para trás, perdidas em algum lugar do passado.

No começo me assustava ao ver que isso vinha ocorrendo comigo frequentemente; hoje, me sinto mais leve, pois aprendi que não é necessário carregar bagagens inúteis diariamente. E isso me proporciona a leveza necessária para fechar meus olhos e dormir instantaneamente, mesmo que haja um problema no dia de hoje, pois “basta a cada dia o seu mal”. Afinal, amanhã será outro dia.

O que me incomoda um pouco é que tenho tido insights de amnésia em relação à língua portuguesa, às vezes me esqueço como se escreve algo e isso me incomoda bastante.

Por outro lado, não me lembro daqueles que eu deveria sentir raiva, mágoa ou até ódio, ficou tudo no passado, no arquivo morto da vida e da história. E, se houver mesmo um Deus que contabiliza as boas e as más ações, minha história está em Suas mãos, que seja feito segundo o Seu desígnio.

Sabe, vivo a sensação constante de estar deixando de existir, de estar partindo, desapegando daqui da Terra, dessa vida, dessa dimensão. Há essa sensação de desligamento das coisas, das pessoas, da vida terrena. E o engraçado é que vivo hoje como expectador da história humana, como se não fizesse parte da trama. A sensação é de desligamento mesmo, tipo quando algo funciona em 220 volts e o ligamos em 110 e seu funcionamento fica debilitado, lento; falta energia. É essa a sensação que sinto hoje, me faltam forças para lutar, portanto, aceito, me submeto e confio que o melhor já está sendo feito.

Além de a energia estar fraca, não tenho desejo algum de revanche com ninguém, talvez por isso não tenha desejo de lutar, pois a rendição já me alcançou por inteiro. Rendi-me a vida com seus êxtases e dores, fiz tudo o que pude fazer de melhor, mas claro que o meu melhor muitas vezes foi pouco e insuficiente, porém, eu sei que me esforcei ao máximo, eu sei! E isso me basta. Do mesmo modo, tenho consciência que a grande maioria das pessoas fizeram, fazem e farão o seu melhor e, que isso, inúmeras vezes não será o suficiente. Paciência, é a vida!

O interessante é que não há tristezas ou nostalgias, angustias e sensações de perdas, mas apenas o doce sentimento de missão cumprida, de desligamento do útero da Terra para o nascimento necessário para que haja o progresso individual e coletivo humano.

Viver, crescer, morrer, renascer...

Cláudio
  

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