segunda-feira, 23 de novembro de 2020

A CAMINHO DO LAR

 

Envelhecer é assustador, pois se por um lado as experiências nos servem de base para enxergarmos as pessoas e os fatos sem miopias emocionais, ou seja, vemos as coisas como elas realmente são, por outro, a fragilidade do corpo nos limita demais.

É irritante não conseguirmos nos mover de forma rápida como antes e percebermos que a destreza e a habilidade antes adquiridas se foram e, que, há um novo tempo para tudo. Dirigimos de maneira mais lenta, digitamos devagar, nos movemos quase parando.

No meu caso as técnicas das artes marciais estão todas aqui, na minha cabeça e no meu inconsciente, os treinamentos criaram as conexões necessárias para executar os movimentos de maneira automática e rápida, mas agora o corpo perdeu a capacidade de resposta, não tendo mais como executar os movimentos. É como um carro de corrida velho que só tem história.

Os pensamentos desaceleraram, agora é preciso tempo para pensar, pois se tivermos pressa o Nescau irá parar na geladeira e o leite dentro do armário.

A visão, agora, é embaçada, nada de imagem em 4k ou HD, nos alegramos quando vemos em modo analógico sem chuviscos, a audição silencia muito do que está se passando à nossa volta, o que irrita aqueles que falam conosco, pois nos chamam bem mais de uma vez.

Me parece que há um afastamento das coisas desse mundo, um desligamento, é como se estivéssemos aqui, mas não fizéssemos parte daqui. Como se houvesse uma enorme tela ao nosso redor e nós apenas estivéssemos assistindo os acontecimentos, porém, sem participarmos.

Talvez esse seja o método escolhido por Deus para nos preparar para a volta ao Lar Celestial, ir nos desligando lentamente da Terra para nos preparar para a passagem, afinal, perderemos tudo: coisas, bens, pessoas, amores, história, logo, deve haver um método consolador para que não enlouqueçamos ao voltar para o seio do Pai.

O ceifeiro passa a nos rondar, o que percebemos ao ver as pessoas da nossa geração adoecendo e morrendo, são colegas de escola, de juventude, amigos próximos e parentes partindo e nos fazendo pensar: “quem será o próximo?”

O antídoto para isso, para não entrarmos em desespero pelo pavor da morte, que todos temos, mas que negamos enchendo a vida de tarefas, encontra-se na fé. É ela que irá nos consolar, acalmar e nos dar a esperança necessária para vivermos tranquilos, aguardando o êxtase final, o gozo que nos libertará desse corpo mortal, escafandro do espírito imortal que está confinado e limitado pela matéria.

E ao pensar na libertação que teremos, passamos a desejar o desfecho que nos levará de volta ao Lar, onde finalmente poderemos entender aquilo que aqui não entendemos e desfrutar da glória de Deus, pois “nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou no coração humano aquilo que Deus tem preparado para aqueles que o amam.” (1 Co 2.9).

As diversas linhas teológicas nos invade e ao as analisarmos podemos escolher uma para crer: vida eterna, reencarnação, voltarmos a sermos um com a divindade como vemos no hinduísmo, dormirmos até o dia do juízo final (psicopaniquia) ou alguma outra teoria que tenha o poder de nos consolar e dar esperança.

Enquanto o momento da libertação do espírito não chega, vamos vivendo normalmente, aprendendo a lidar com as nossas limitações físicas, tentando não nos tornamos excessivamente amargos e irritadiços.

Cláudio Nunes Horácio

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