sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O idiota com limão na cara

Por Fernando Fabbrini*
Num certo dia de 1995, um sujeito chamado McArthur Wheeler entrou num banco dos EUA logo cedo, assim que as portas se abriram. Calmamente, sem esconder o rosto, sacou uma pistola e anunciou o assalto. Os funcionários não resistiram. Entregaram-lhe uma bolsa com maços de dinheiro e McArthur foi embora.
A cidade era pequena, no interior. Com uma simples olhada nos vídeos da segurança o assaltante foi identificado rapidamente – nome, endereço, tudo. Daí a pouco a polícia chegou à sua casa e o prendeu. McArthur ficou surpreso. Ao ser algemado, disse aos policiais:
- Mas... Como vocês me descobriram? Eu usei sumo de limão no rosto! ...
Ele se referia a um antigo truque no qual se usa sumo do limão para fazer uma “tinta invisível”. É assim: escreva com suco de limão num pedaço de papel, espere secar. As palavras vão sumir e só podem ser lidas se o papel for aquecido na chama de uma vela. Portanto, acreditem: o ingênuo assaltante imaginou que estaria igualmente invisível se passasse suco de limão no rosto, como tinha feito.
O episódio chamou a atenção de David Dunning e Justin Kruger, dois pesquisadores da Universidade de Cornell. Examinaram o caso com profundidade, fizeram entrevistas e constataram que McArthur Wheeler não era louco nem estava sob o efeito de drogas. Era simplesmente... um idiota. Com base na história, os estudiosos conceituaram o Efeito Dunning-Kruger, publicado no Journal of Personality and Social Psychology em dezembro de 1999.
As conclusões são intrigantes e curiosas. Kruger e Dunning descobriram que as pessoas incompetentes desenvolvem uma estranha ilusão de superioridade com relação às próprias capacidades. Estes indivíduos não têm condições de analisarem seus próprios saberes de maneira justa, já que possuem – claro – níveis muito baixos de meta-cognição, ou seja, a capacidade de saber que sabemos. Em outras palavras, são inconscientes de suas próprias ignorâncias.
Diz David Dunning: “se alguém é estúpido, infelizmente não tem meios de saber que o é”. Dunning cita um exemplo engraçado. Alunos que têm regularmente notas baixas muitas vezes se acham muito inteligentes. Já os que dominam de verdade alguma matéria são, com frequência, acometidos de inseguranças, de dúvidas sobre aquele assunto. Não é raro acontecer que estes, que conhecem a matéria a fundo, saírem de uma prova dizendo:
- Hum... Sei lá, acho que fui mal.... – E, no entanto, tiram nota máxima.
Isso porque os que sabem, também sabem que não há fronteiras para o conhecimento; estão sempre insatisfeitos com o que sabem - e buscam mais. Já os chamados incompetentes contentam-se com os próprios limites pelo fato de não saberem medir a própria ignorância.
Portanto, fica um alerta: vale sempre considerar Dunning-Kruger quando nos sentimos absolutamente seguros de alguma coisa. Quem sabe não estaremos – na verdade - sob o efeito do mesmo?  Por outro lado, um alento: ter dúvidas de algo que pensamos dominar é, em compensação, um bom sinal.   
A saída está na busca constante de mais conhecimentos. Leituras, conversas, aulas, perguntas inteligentes ao professor, cursos de especialização, o que for. Não devemos ter medo de parecermos burros; é até melhor. Passando suco de limão na cara e se imaginando um gênio do disfarce, o pobre McArthur Wheller pensava ser muito esperto. Deu ruim.
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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